Precisamos ter indígenas nos parlamentos brasileiros (nos diversos níveis da federação)
- Alberto Nasiasene

- 5 de jun. de 2016
- 5 min de leitura



No bojo de nossa contra-ofensiva, em relação às forças conservadoras, que avançaram muito na última eleição, devemos trabalhar intensamente para eleger representantes indígenas nas câmaras de vereadores; ano que vem, a começar de agora. Vejam bem, não estamos falando de não-índios que irão falar em nome deles, mas de indígenas que têm autoridade moral, política e jurídica para falar em nome de seus povos originários. Também é necessário lançá-los como candidatos a prefeitos. Muitos candidatos brancos podem sim abrir mão de suas candidaturas em favor de indígenas, apoiando-os na obtenção de votos (claro que isto é mais fácil em partidos de esquerda e centro esquerda do que nos partidos de personalismos fortes de políticos que têm projetos pessoais de poder muito mais do que submissão a programas e causas políticas maiores do que personalismos). Quanto mais indígenas tivermos, em vários partidos, e quanto mais sejam eleitos, mais os povos indígenas brasileiros irão acumulando experiência de política representativa, em meio às instituições parlamentares brasileiras e esta experiência será imensamente benéfica para os povos indígenas brasileiros no médio e longo prazos, até que se alcancem alvos simples, tais como o de uma cota mínima de representação dos povos indígenas brasileiros dentro do Congresso Nacional, tanto na Câmara, quanto no Senado (eles devem fazer parte, ex ofício, de certas comissões permanentes dedicadas aos interesses dos povos indígenas na democracia brasileira, mas também daquelas que queiram fiscalizar ou legislar sobre questões que lhes afetem diretamente).



Além disso, os movimentos sociais mais experientes podem sim abrir uma brecha em sua própria organização, para dar apoio mais consistente e mais sistemático à organização dos povos indígenas e ajudá-los a se inserir, mais efetivamente, com mais força, nas lutas sociais conjuntas do povo brasileiro em geral. Por exemplo, além da Comissão Pastoral da Terra, o MST (e o MTST) deve dar mais importância à organização dos povos indígenas porque há questões comuns que unem os sem terra (e os sem teto) aos povos indígenas na floresta ou nas cidades (muitos índios migraram para favelas de grandes cidades), exatamente porque o foco é a terra (ou moradia) e as necessidades agrícolas orgânicas e ecológicas. Aliás, é preciso dedicar mais atenção e mais esforço de pesquisa sobre a etnobotânica indígena, porque há tesouros de conhecimentos milenares que podem ser resgatados e revalorizados e introduzidos até mesmo nas práticas agrícolas agroecológicas de assentamentos do MST (afinal, os povos originários estavam aqui há milênios, bem antes das levas de portugueses e africanos serem introduzidas nestes biomas que temos em nosso território nacional).



Sempre digo que é incompreensível que os povos indígenas remanescentes e seus descendentes (se formos levar este conceito ao pé da letra, veremos que os descendentes de índios, no Brasil como um todo, estão perto do número dos que também têm sangue africano - e isto ultrapassa metade da população brasileira, confundindo-se genericamente no que chamamos de "pardos" para designar os não-brancos) não tenham a mesma atenção e a mesma força representativa presente nos diversos movimentos negros organizados, que atuam tão contundentemente no atual presente histórico, de início de século XXI (já estamos em meio à segunda década do século XXI). Até os grupos LGBTs têm uma atuação e um espaço maior que não se dá à causa indigenista (e os povos indígenas também vivenciam questões semelhantes). Nada contra o peso, louvável, que os movimentos afro-brasileiros e LGBTs já alcançam na sociedade brasileira, mesmo em face do crescimento, desproporcional, face ao lastro social, das bancadas ditas evangélicas e seu poderio televisivo e midiático (e político) desmedido, O que precisamos é fortalecer, cada vez mais, a causa indígena dos povos originários e seus descendentes em meio à população brasileira em geral.



Ainda é muito comum encontrarmos, nos sistemas escolares públicos, Brasil afora, descendentes de índios (com os traços fisionômicos claramente indígenas, presentes na forma e cor do cabelo, na forma e cor dos olhos e pálpebras, na tonalidade da pele etc.) que se negam a si mesmos enquanto descendentes de índios (quando o fazem, o fazem muito discretamente, como se estivessem confessando, secretamente, algum crime, e rapidamente, logo mudam de assunto, tentado que se esqueçam do que falaram, com medo de serem discriminados ou de sofrer bullying). Este é o mesmo fenômeno de negação de si mesmo, por causa da predominância dos padrões estéticos, éticos e morais originados do biotipo europeu , mas também como uma das manifestações sutis do racismo à brasileira, que afeta o enorme contingente afro descendente em terras brasileiras. Estes padrões dominantes (que têm origem na colonização e ainda não foram reelaborados e descolonizados, mesmo depois de duzentos anos de independência) de que falamos, depreciam como "feios," imorais, demoníacos etc. tudo aquilo que não se encaixa integralmente nestes traços estéticos, éticos, morais e religiosos europeus. Contudo, neste quesito, a pressão causada pelo movimento negro organizado e seus aliados tem conseguido, gradualmente, mudar esta realidade em direção a uma percepção e prática cotidiana em que o ser afro descendente já conquista seu espaço estético de beleza em igual medida face aos padrões estéticos europeus. O que falta ainda é vermos este mesmo fenômeno de modo mais afirmativo e mais presente no cotidiano da sociedade brasileira, de modo geral, com relação ao ser indígena ou de origem indígena (é bom e belo ser descendente de índio e não há porque se envergonhar, em nenhum aspecto, por isto).



Por isto mesmo é que sentimos tristeza em vermos e ouvirmos crianças e adolescentes que não conseguem admitir publicamente (com orgulho, ou, traduzindo para a palavra inglesa, que indica melhor o que estamos querendo afirmar, pride; orgulho, mas como simples autoestima de si mesmo, não como atitude de superioridade racista face aos demais) que têm origem indígena. Algo há de errado aqui e, como educador de história, tenho me dedicado há anos a mudar este estado de coisas em direção à inclusão da etnicidade indígena brasileira, não só como parte do currículo formal (como manda a Lei 11.645), mas como prática cotidiana; até nos valores estéticos que vivenciamos enquanto povo mestiço e pluri étnico. Os povos indígenas e seus descendentes, de mil maneiras, permanecem entre nós, invisíveis, por causa do racismo, do preconceito, da truculência dominadora, herdeira da colonização etc. Entretanto, é preciso dar mais força aos movimentos indigenistas já existentes, inclusive, como defendemos aqui, trabalhando com eles e ao lado deles (ou em meio a eles), até como cabos eleitorais voluntários, para a eleição de inúmeros vereadores e prefeitos na próxima eleição que irá acontecer, se Deus (ou Ñãderu) quiser, em 2016 (como manda a normalidade democrática, do Estado de Direito em vigor).
Alberto Nasiasene
Jaguariúna, 3 de outubro de 2015 (dia nacional, comemorativo da Revolução de 1930, de mobilização em favor da democracia, da Petrobrás, de um programa econômico inclusivo que prime pelo desenvolvimento social equilibrado e contra o golpismo anti democrático)




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