O índio genérico não existe: o que existe são povos muito diferentes que precisam ser respeitados
- Alberto Nasiasene

- 3 de jun. de 2016
- 6 min de leitura

Nossos índios não são estrangeiros na própria terra que é deles. Esta foto, feita a partir da rampa do Palácio do Planalto e não do Itamaraty, vendo-se ao fundo o Congresso Nacional, é simbólica. Entretanto, pela mentalidade vigente em parcelas da classe média brasileira e em setores do agronegócio, é como se eles fossem estrangeiros e sub-humanos que estão ocupando uma terra "improdutiva" (aliás, o conceito do que seja "produtividade" que eles empregam é bem questionável em termos econômicos na própria Terceira Revolução Industrial em que estamos). Estes fazendeiros atrasados (mesmo que possuam os melhores equipamentos) são tão egoístas que pensam que a coisa mais natural é possuir, sozinhos, um amplo pedaço de terra em proveito do enriquecimento próprio e de sua família (mesmo que tentem enganar dizendo que é para "alimentar" com arroz, por exemplo, o povo brasileiro, em Roraima; sendo que o Rio Grande do Sul já faz este trabalho e não é preciso que a Terra Indígena Raposa do Sol seja ocupada para, por meio da destruição ambiental, abrigar mais uma fazenda de arroz qualquer). Balela esta lenga lenga de que eles dão emprego (na verdade, eles precisam explorar a mão de obra para mover suas máquinas e seu empreendimento e fingem que "dão emprego" - o que acontece, na prática, é que eles exploram empregos em proveito do enriquecimento próprio). Falam, cinicamente, em "muita terra para pouco índio," mas nada afirmam sobre o absurdo de muitos hectares de terra para um só dono (a terra indígena é coletiva e pertence à União, com os índios apenas tendo o direito perpétuo de usufruto e guarda do patrimônio ambiental que gera créditos de carbono por serviços ambientais, enquanto que a terra de um grande fazendeiro é uma propriedade privada que só aumenta as desigualdades sociais e promove a degradação ambiental, principalmente na Amazônia, não gerando nenhum benefício coletivo que seja superior ao gerado pelas coletividades indígenas que preservam os biomas). Em documentário veiculado pela TV Câmara, os fazendeiros do grande agronegócio argumentam, mostrando os ex-campos de arrozais abandonados (graças a Deus), como é absurdo o que fizeram com os "pobres coitadinhos dos arrozeiros" que ocupavam ilegalmente terras indígenas (aliás, quem fala tais barbaridades são deputados eleitos pelo dinheiro do agronegócio roraimense). Se não fosse trágico (porque os tais possuem um poder político imensamente mais poderoso do que os povos da Amazônia), seria de rir com tamanha lorota. A natureza que eles devastaram com uma agricultura mecanizada anti-ecológica (consumidora de grande quantidade de agrotóxicos, é preciso lembrar, além de tudo), irá levar muito tempo para ir se recompondo e é esta própria natureza devastada que representa, no mundo do século XXI em que vivemos, a maior riqueza, não mais um arrozal qualquer (que não precisamos enquanto nação). com os "pobres coitadinhos dos arrozeiros" que ocupavam ilegalmente terras indígenas (aliás, quem fala tais barbaridades são deputados eleitos pelo dinheiro do agronegócio roraimense). Se não fosse trágico (porque os tais possuem um poder político imensamente mais poderoso do que os povos da Amazônia), seria de rir com tamanha lorota. A natureza que eles devastaram com uma agricultura mecanizada anti-ecológica (consumidora de grande quantidade de agrotóxicos, é preciso lembrar, além de tudo), irá levar muito tempo para ir se recompondo e é esta própria natureza devastada que representa, no mundo do século XXI em que vivemos, a maior riqueza, não mais um arrozal qualquer (que não precisamos enquanto nação).

Junto ao Memorial JK, em Brasília, temos o Memorial dos Povos Indígenas, concebido por Darcy Ribeiro. Felizmente, este museu da memória indígena em Brasília não está morto, porque a memória indígena está sempre presente através dos corpos dos índios que estão ativamente presentes em Brasília defendendo seus direitos políticos em meio à República Federativa Brasileira (deveria haver algum tipo de representação política permanente dos povos indígenas no Congresso Nacional, para que minorias endinheiradas, encasteladas no poder legislativo, não continuem ameaçando direitos essenciais, já estabelecidos pelo Estado brasileiro, em relação aos povos originários deste país)
Nossa historiografia eurocêntrica produziu, como sub-produto, um conceito deletério para os povos indígenas que nem se autodenominam como índios (mas como Panará, como Xavantes, como Txucarramães, como Yanomamis etc.): o conceito de índio genérico. Portanto, é preciso lembrar que a própria denominação "índio" provém de um equívoco histórico cometido por Colombo ao pensar que havia chegado à Índia e não a um novo continente que nada tinha que ver com a Ásia. Os povos que foram encontrados aqui não eram indianos (ou índios), mas povos com cultura e história inteiramente diferente dos povos do sub-continente indiano na Ásia.
A relação dos povos indígenas para com os poderes da República é respeitosa, desde que seus direitos essenciais (inclusive o direito de serem ouvidos e atendidos em suas reivindicações) sejam garantidos.
Não irei entrar no aprofundamento da questão da origem remota do povoamento das Américas, milênios atrás, mas quero alertar para o fato de que os povos que vieram habitar este imenso continente, de norte a sul, o fizeram bem antes do surgimento das civilizações asiáticas, seja na Índia, seja na China. Portanto, são uma civilização à parte na história da humanidade. É preciso sublinhar que eles também são uma civilização muito complexa e com uma história muito rica que não pode ser resumida de forma apressada. Sei que isto se choca com a mentalidade evolucionista fortemente presente no senso comum de amplas camadas populacionais da etnia luso-brasileira maior. Isto é, há, de mil maneiras, um conceito fortemente arraigado, até no inconsciente coletivo brasileiro, de que a Europa é a culminância da civilização humana e, no máximo, pode-se admitir como civilização as antigas civilizações do Fértil Crescente mediterrânico, ou as civilizações asiáticas. Alguns vão além e admitem também a existência, remota, de civilizações maias, astecas e incas; mas não admitiriam a existência de civilizações indígenas de povos da floresta ou de povos africanos que não sejam o povo egípcio.
Os índios não podem ser tratados como se fossem bandidos ou malfeitores, em pleno século XXI e cenas como as das fotos acima são inaceitáveis. As principais vítimas de todo o processo colonizador, mais do que os escravos africanos, foram os povos indígenas (inclusive, porque foram os primeiros a ser escravizados pelos portugueses) e, infelizmente, eles ainda são tratados desta forma. Jamais irei silenciar diante disto.
Não importa, é necessário quebrar este equívoco divulgando novos conhecimentos advindos da pesquisa antropológica mais recente e da contribuição que as escavações arqueológicas vão fazendo aos poucos. Estas novas fontes de conhecimento sobre as civilizações autóctones que os portugueses encontraram precisam ser integradas ao conhecimento historiográfico que já temos sobre as fontes escritas dos cronistas dos séculos coloniais. Portanto, é imprescindível que a historiografia brasileira se redimensione, em sua formulação sintética, não-eurocêntrica (mas sem anular completamente nossa herança europeia, é claro), que dê consistência ao ponto de vista específico da história deste país em meio ao concerto mundial de nações e etnias planetárias. Penso que a dimensão da africanidade, face à dimensão dos povos originários desta terra, está mais desenvolvida, até porque os contingentes populacionais descendentes das levas de escravos africanos que foram importados são muito maiores e compõem uma ampla camada populacional que abarca mais da metade da população total do país. Por isto mesmo é que estou me dedicando, no momento, mais à pesquisa sobre a história dos povos originários do que ao estudo das sociedades africanas que foram importadas, como escravas (mas importadas de forma individual desagregadora, não como povos), ao Brasil, ao longo da história colonial.
Parte desta imensa miscigenação que deu origem ao povo brasileiro é proveniente dos povos autóctones, mas não é só nos genes dos corpos do povo brasileiro que há a presença dos "índios." Nossa cultura luso-brasileira tem um forte componente indígena que concorre sim com o componente africano em pé de igualdade (por causa de sua importância estruturadora da etnia luso-brasileira). Além disso, o próprio conceito de desenvolvimento sócio-econômico está passando por séria reformulação neste início de século XXI, em meio à Terceira Revolução Industrial e o conhecimento da história e da cultura dos povos indígenas é estratégico para alcançarmos uma maior "sustentabilidade" econômica, sócio-ambiental, cultural e política que alargue o entendimento da própria esfera estritamente econômica para além do economicismo.
Alberto Nasiasene
Jaguariúna, 27 de abril de 2013

Criança índia fotografada em 1880
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Postado há 27th April 2013 por Alberto Nasiasene










































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